A vocação ao celibato é uma opção de amor orientada para Cristo

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O sexto mandamento da Lei de Deus determina guardar a castidade nas palavras e obras. O seu âmbito inclui também a descoberta do significado e do valor do celibato consagrado, e implica a sua vivência por aqueles que receberam um tal dom divino. Muita gente, hoje, não entende o celibato dos sacerdotes e não acredita que eles o vivam fielmente. Isso acontece, certamente, por alguns o quebrarem ou o colocarem em dúvida; e outros nem sempre sabem testemunhar com a sua vida feliz. Ao mesmo tempo, parece não ser contestada a virgindade das religiosas e de outras mulheres consagradas a Deus. Não sei se esse estado de vida é realmente admirado por uma fatia significativa da sociedade. Pode acontecer que o grande valor dessa opção de vida não seja passado para as pessoas nem as interpelem.

Há, entretanto, um outro fenômeno, na nossa sociedade, que contribui para dificultar o reconhecimento do valor do celibato consagrado: o alastrar do número de pessoas, homens e mulheres que vivem solteiros por motivos de independência pessoal ou dedicação a uma causa da qual se apaixonam e absorvem. O desinteresse pelo casamento pode também ser motivado pela falta de atração pelo outro sexo, por não acreditar no casamento, por alguma imaturidade ou pelo medo de assumir compromissos definitivos. Nessas motivações, vem a dificuldade crescente de estabelecer relações afetivas maduras e estáveis por parte de muitas pessoas.

Que diferença há entre a vida cristã no celibato e essas situações humanas, escolhidas ou involuntárias? A forma exterior de vida pode ser semelhante, mas são bem diferentes a motivação, o espírito e a finalidade.

Podemos distinguir três formas de viver o celibato por parte dos fiéis cristãos:

Quando o fiel cristão descobre, na sua situação de solteiro, um apelo de Deus e o aceita de livre vontade, a sua vida celibatária pode tornar-se vocação assumida e valorizada. A pessoa pode, então, como diz o Catecismo da Igreja Católica (CIC), passar a viver “a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar” (nº 1658). Essa forma de vida pode não ser definitiva, e a pessoa ser chamada ao matrimônio em qualquer idade.

Assumem, de forma definitiva, o celibato pelo Reino dos Céus os que consagram totalmente a sua vida a Deus e, por isso, renunciam ao casamento. A sua opção resulta da percepção do amor de Cristo e do seu chamamento, correspondidos positivamente numa relação crescente de amor para com Ele. Nesse caso, a motivação para o celibato é teológica e carismática, é uma graça divina que a pessoa acolheu e a qual correspondeu livremente com a entrega total de si mesma a Deus.

Outra forma é o celibato sacerdotal. Esse, em certo sentido, une as duas formas anteriores: por um lado, resulta da circunstância de a pessoa sentir a vocação para o ministério sagrado; por outro, corresponde a uma entrega de si mesma para o serviço do Reino de Deus. A motivação é acentuadamente apostólica, mas fundamentada em razões teológicas e carismáticas. Diz o Catecismo: os ministros sagrados “chamados a consagrarem-se totalmente ao Senhor e às suas coisas dão-se por inteiro a Deus e aos homens. O celibato é um sinal dessa vida nova, para cujo serviço o ministro da Igreja é consagrado; aceito de coração alegre, anuncia de modo radioso o Reino de Deus” (nº. 1579; cf. 1599).

Vocação ao amor e à comunhão

Como o matrimônio, também a vida celibatária é a concretização da vocação ao amor e à comunhão a que todos são chamados. Respondendo a tal vocação inscrita no seu próprio ser, a pessoa humana realiza a sua condição e dignidade de imagem e semelhança de Deus, que “é amor e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor” (CIC, 2331). Não pode haver opção celibatária que não seja motivada pelo amor a Deus e ao próximo. Mesmo na primeira forma acima apontada, se a pessoa assume a sua condição como vontade de Deus, não pode deixar de orientar a sua vida pelo amor, abrindo-se a uma relação sempre mais profunda de comunhão e serviço.

Sendo resposta à vocação ao amor, a vida celibatária não significa menosprezo nem visão negativa da sexualidade. Esta, como afirma o Catecismo, “afeta todos os aspectos da pessoa humana, na unidade do seu corpo e da sua alma. Diz respeito, particularmente, à afetividade, à capacidade de amar e procriar, e, de um modo mais geral, à aptidão para criar laços de comunhão com outrem” (CIC, 2332). Escolhendo o celibato, a pessoa renuncia a uma forma de viver a sexualidade, para se entregar a Deus “com um coração indiviso” (CIC, 2349). Sublima o impulso e a energia sexual, dando-lhe outro significado e finalidade, para uma fecundidade espiritual. Como Cristo, também “o Celibatário” entrega o seu corpo, e todo o seu ser, por amor a Deus e em favor dos homens. Nesta doação total, por um amor oblativo, vive a castidade própria da sua condição.

Opção de amor

O celibato, como o matrimônio, implica uma vida de relação com os outros e não de solidão, é caminho para a maturidade e não privação. É expressão de uma doação de si mesmo livremente decidida e não resultado de qualquer frustração ou desengano na relação afetiva. Também implica uma certa vivência da sexualidade: não na união física, nem na autossatisfação narcisista ou na procura do prazer recíproco e na expressão de afeto mútuo, mas na sua sublimação espiritual mediante o domínio de si mesmo. Essa liberdade pessoal é condição para fazer de si uma doação total e definitiva a Deus, suscitada pela graça que d’Ele recebeu. O celibatário renuncia: “à intimidade física em ordem a uma mais perfeita disponibilidade”; “ao calor humano de uma família, para se tornar pai ou mãe da humanidade”; “à continuação da vida nos próprios filhos para uma vida que não tem fim, a vida de Deus nas pessoas” (E. Pepe).

A vida no celibato é uma opção de amor

A vida no celibato é, portanto, também uma opção de amor, mas orientada para Cristo. A pessoa doa-se a si mesma, não a uma pessoa de outro sexo com a qual estabeleceu vínculos de afeto, mas a Cristo no qual crê e pelo qual acredita ser amado. A sua entrega significa o assumir de uma vida que é renovada por Cristo e penetrada pela força do Espírito. A pessoa doa-se em todo o seu ser, também na dimensão física, mas o faz de forma diferente da que é vivida no matrimônio.

Há um texto muito sugestivo de Chiara Lubich que fala da castidade como o “dilatar o coração segundo a medida do coração de Jesus”. Fazendo assim, a pessoa empenha-se em amar cada irmão ‘como Jesus o ama’. A isso a autora chama a “castidade de Deus”. Escolhendo o celibato por ter sentido o grande amor de Cristo por ele, o fiel cristão esforça-se por viver o amor à maneira e segundo a medida de Cristo. Para ele, o amor a Cristo e aos irmãos constituem um mesmo e único amor. E trata-se sempre de amar por Jesus, por uma graça que vem d’Ele. É um amor a todos, universal, mas vivido na doação um a um, isto é, àquele que encontro, que passa pela minha vida. Está aqui a originalidade do amor na pessoa celibatária, que é diferente, portanto, do amor conjugal. Esse passa sempre pelas expressões humanas da sexualidade e da ternura.

Gerar a vida na dimensão espiritual

A doação livre de si mesma ao outro, fielmente, como Jesus ama, é o que torna o amor puro e casto, tanto na pessoa casada como na celibatária. Na primeira, as expressões físicas do amor não o degradam; na segunda, não precisa tolher o coração nem reprimir o amor, pois encontrará sempre expressões belas para amar o seu próximo, de forma concreta e sensível. No primeiro caso, o amor une sempre mais quem o vive e estreita os vínculos entre as pessoas. É vivido na doação e acolhimento mútuos. No celibatário, o amor não prende, mas liberta, é vivido na generosidade e no desapego, torna a pessoa dom para os outros sem esperar a compensação.

O amor do celibatário há de ser também fecundo, gerar vida não no sentido físico, mas na dimensão espiritual. Mediante o amor, o celibato gera a vida de Jesus nas almas que encontra, cria vínculos espirituais com as pessoas e pode mesmo exercer uma paternidade espiritual, fazendo com que tais pessoas se sintam regeneradas, recebendo uma nova vida: a de Deus. Desse modo, enriquece também a humanidade, contribui para o seu crescimento qualitativo e espiritual.

Quem é chamado ao celibato, consagrando a sua vida a Deus, faz a renúncia à vida de casado. Cumpre, quase à letra, a palavra de Jesus: “Qualquer de vós que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Renuncia à sexualidade genital, à relação de afeto com outra pessoa, à paternidade ou maternidade biológica, a constituir a sua família, desapega-se de tudo e de qualquer pessoa, para seguir Cristo mais de perto e viver uma comunhão especial com Ele. Mas dessa relação, no Espírito Santo, pelo amor, há de surgir uma nova família, a fraternidade cristã, que pode adquirir múltiplas formas e que se traduz na vida da comunidade cristã, na sua variedade. Se não gerar a comunidade dos filhos e filhas de Deus, o celibato fica infecundo. Sem a paternidade ou maternidade espiritual, o celibatário corre o risco de ficar estéril e viver a sensação de perda, de frustração, de estar incompleto, de não atingir a plenitude.

Liberdade pessoal

“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). O celibatário, que assume a sua vocação livremente e a vive fielmente numa doação incondicional a Deus, no amor e no serviço generoso aos irmãos, experimenta realmente a felicidade e “vê”, verdadeiramente, Deus na sua vida. Deixou tudo pelo Senhor e nada lhe falta. Renunciou a constituir uma família e vive rodeado de irmãos e irmãos, de filhos e filhas, numa grande família espiritual reunida no amor de Cristo.

A sua vida é muito diferente da de muitos solteiros de moda, centrados em si mesmos e nos seus prazeres, gerando e gerindo a solidão, que produz um vazio de alma e tédio. Viver em celibato, conservando a castidade do coração, exige esforço para corresponder à graça da própria vocação. É preciso, antes de mais, cuidado em manter e consolidar a liberdade pessoal, para amar sempre mais, mantendo a vigilância sobre todas as situações que a podem pôr em causa. E, face aos limites e falhas, o celibatário há de abraçar a cruz e recomeçar no empenho pela fidelidade no amor. A relação com Deus, sempre mais profunda, cultivada na oração, e uma sadia comunhão fraterna ajudam muito a manter-se fiel na própria entrega de amor.

O celibato e o matrimônio são duas vocações diferentes, mas não contrapostas. Celibatários e casados, felizes na sua vocação, deverão constituir estímulo e ajuda uns aos outros, partilhando o próprio dom, reconhecendo e estimando o dos outros, numa comunhão eclesial operada pelo Espírito Santo.

Padre Jorge Manuel Faria Guarda

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